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17 Setembro 2022

ARRANHA-CÉUS NA SELVA

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GUATEMALA

Escritora: Ethel Batres

Querido Juan: Num pulo cheguei agora à Centro América. Estou na Guatemala e aterrissamos no aeroporto de Flores, em Petén. Meus amigos Ángel e Esperança estão me esperando, já consigo ver suas carinhas felizes ao me ver. Você sabe aonde vamos? Direto à Tikal, a Cidade dos Sussurros.
Arranha-céus na selva
Ângelo e Esperança são tão gentis e me recebem com tanto carinho que sinto que os conheço por toda a vida. Agora mesmo trouxeram para mim garrafinhas com refrigerante de tamarindo, “cremitas” e doces de cardamomo para que compartilhemos no caminho. Também levamos bolinhos de chaya, que são uma espécie de pamonha de massa e uma deliciosa planta local, os quais nos darão força para enfrentar o caminho. Vamos nos adentrar na floresta, para descobrir os grandes monumentos que ali emergem, e que são as ruínas das cidades que o povo maia clássico construiu.

0 tikal

No caminho, me lembro de um programa que vi na televisão e lhes pergunto:
─ Por que os maias desapareceram? É verdade que os extraterrestres levaram eles embora?...
Eles se olham, com um olhar cúmplice e um sorriso benevolente em direção a minha pessoa. Em seguida, dizem:
─ Os maias nunca se foram… agora falam k´ekchí. Logo, logo, você vai entender.
Fico desconcertada com sua resposta, mas há tanto o que ver, que vou deixar as perguntas para depois. Agora vejo um rótulo que diz: Atenção, passagem de cervos!, e tem o desenho de um cervinho… o qual me dá muita emoção. Tomara que passe um por aqui… e sim! Aparece, e o motorista do ônibus em que estamos tem que frear de repente, para permitir que passe com toda velocidade. Mais a frente, um bando de pássaros de distintas cores sai alçando voo, e da beira do caminho agora consigo ver algumas raposas pequeninas e prateadas (chamada: raposinha do Petén), e alguns animais com uma tromba larga e divertida que se chamam “pizotes”.

1 1enigmas piedras

Chegamos na entrada do Parque Nacional. Meus amigos conhecem perfeitamente o caminho, pois são guias de turismo, e começamos a caminhar. Tem árvores gigantes, com troncos que não poderiam ser abraçados por um grupo de 10 pessoas… essas árvores se chamam ceibas, e são a árvore nacional da Guatemala. As ceibas são árvores enormes, que oferecem uma deliciosa sombra e tapam o sol por alguns instantes. Por isso, no mundo maia é considerada uma árvore sagrada, cujos galhos altos tocam o céu, e suas raízes penetram o profundo da terra. O céu, o mundo e o inframundo se consideram comunicados por uma só árvore.

 Caminhamos por uma trilha de terra, de cujos lados vão aparecendo pouco a pouco as “estelas”, que são monumentos verticais de pedra. Cada uma está esculpida com rostos, figuras humanas, figuras de animais e distintos grifos. Os grifos são signos de escrita, os quais não puderam ser decifrados totalmente, mas sim em grande quantidade. Por isso sabemos muito da história. Ângelo e Esperança me contam sobre as plantas que nos rodeiam, me mostram os animais que nos acompanham e me explicam sobre os principais grifos e seu significado. Esperança me mostra os desenhos de sua blusa, que tem um nome especial: é um güipil maia, o qual foi bordado por sua avó. Ela me diz que, se prestar atenção, vou descobrir os signos que estão em alguma das estelas. Isso me intriga e vou observando cada monumento dos signos, para tentar encontrá-los depois na roupa de minha amiga.
Agora, há um trecho de muita vegetação, é como se uma montanha de árvores aparecesse na nossa frente e há muitas lianas e bejucos que nos rodeiam. Me emociona ver tanto verde! E meus guias me avisam:

 ─ Chegamos ao Mundo Perdido. Aqui está a pirâmide mais alta, então vamos subir agora mesmo.
Eles iniciam a subida da escalada com uma rapidez incrível. Eu só consigo correr atrás… e vamos para cima e para cima. Não caminhamos diretamente sobre a pedra do templo maia, que é uma pirâmide gigantesca. Caminhamos sobre uma estrutura de madeira elaborada para que os turistas possam subir, sem danificar a construção original. Depois de um bom tempo de esforço, já quase esgotada, chegamos à parte alta onde, então, podemos nos sentar sobre a própria pirâmide. A paisagem é incrível: são vários hectares de árvores e árvores, tudo verde, como um mar de vegetação e natureza… Nossos olhos começam a tomar a cor verde da floresta, um verde com matizes diferentes: mais claro, mais escuro, com leves manchas cor-de-café, com fragmentos amarelos, mas tudo em um conjunto fantástico… Meus amigos me comentam que uma produção emblemática do cinema foi filmada aqui: a guerra das galáxias. E então lembro que é verdade… antes da batalha final aparece um mundo cheio de vegetação.. E é nada menos que Tikal!

4 gerragalaxias
Respiramos o ar com um aroma de pureza incrível, e se fechamos os olhos, podemos escutar a autêntica Sinfonia da Selva: soam as cigarras, os tucanos, pássaros diversos - agudos, graves, fortes, suaves, sincopados, malucos, tranquilos, alguns quase sinfônicos, outros totalmente desafinados -, e agora consigo ouvir também o macaco-aranha, o macaco de araguato, e quando todos fazemos silêncio absoluto… do canto mais distante se escuta como um trovão fortíssimo o rugir do famoso tigre ou puma americano. Um dos maiores e mais surpreendentes felinos da floresta.

 Ficamos parados por um tempo, deslumbrados com o contraste entre o verde que nos circunda e a imponência da pirâmide. Meus amigos me dizem:
─ Ainda falta muito mais! Vamos…!!
Fiquei impressionada e começamos a descida, que é divertidíssima: descemos os degraus com uma rapidez imensa, dá a impressão de que vamos cair, mas alguma coisa impede… e assim chegamos novamente à trilha. Caminhamos com rapidez e alegria, de vez em quando levantamos a vista para ver o sol, e agradecemos por esses rainhos lindos que nos abraçam poderosamente.
Damos a volta depois de algumas árvores gigantes e fico petrificada com o que vejo: Arranha-céus na floresta! Chegamos a Acrópolis central de Tikal. Aqui estão quatro pirâmides juntas, e entre elas: o grande jaguar. Do topo da construção, o antigo sacerdote principal, falava e cantava. Todo o povo conseguia escutá-lo, porque os arquitetos que construíram a cidade previram que haveria uma acústica perfeita. O que se diz, num tom de voz médio ou mais alto, pode ser escutado perfeitamente embaixo. Por isso, também dá para escutar todos os sussurros das pessoas, dos animais, do vento… é uma cidade musical e sonora… Esse é o significado de seu nome. Tikal: Cidade dos Sussurros… E a cor que nos rodeia, é o nome do país em que nos encontramos: Guatemala, que siginifica: Terra de bosques verdes.
Fico com a boca aberta o tempo todo… E Ângelo me diz:
─ Já pode fechar a boca, Ema! Melhor deixar para abri-la no restaurante.

E vamos comer num lindo rancho gigante, onde nos prepararam uma deliciosa “carne de monte”: galinhas criollas, cutia de granja (porque é proibido comer as cutias silvestres, para evitar sua extinção), tatu e cervo (todos de granja); refrigerantes naturais de orchata, rosa de Jamaica e tamarindo, e tudo acompanhado de tortilhas de milho e chile chiltepe, que você pode colocar na medida em que seu paladar aguente o sabor picante…
Ângelo e Esperança colocam muitíssimo chile, e dão risada de mim, porque estou sofrendo com o chile. Me oferecem água pura, caso eu sinta que está picante demais.
Agora que estamos sentados vejo outras jovens com blusas parecidas com a de Esperança, e observo também alguns grifos nas blusas. Então, percebo que estou rodeada pelo som de um idioma que não entendo, mas que meus amigos falam perfeitamente: o k’ekchí, um dos 22 idiomas maias falado na Guatemala. Eles se comunicam com várias pessoas do local e o traduzem para mim. Me contam que logo haverá uma cerimônia maia, para pedir bem-estar para as colheitas da região e me convidam a acompanhá-los.

5 tamboronVou com profundo respeito, escuto a musicalidade do idioma k’ekchí e observo o ritmo com que o incensário espalha um aroma delicioso chamado “pom”. Chegaram vários músicos: um toca o tamborón (que é um tambor gigante, como seu nome indica), um xul, que é uma flauta de cana e de longe vêm chegando vários músicos que carregam um instrumento grandíssimo, que se chama marimba e é tocado coletivamente, usando baquetas. Todos escutam por um tempo, mas também participam rezando ou cantando, vejo em seus olhos a sinceridade de uma prece e o convencimento de que haverá boas colheitas. Depois, eles entregam espigas de milho ao sacerdote maia, que as coloca em um altar, acompanhadas de velas acesas. Há muita união entre a natureza, as pessoas e a fé. Assim, sinto profundamente que estou rodeada de algo lindo, e terminamos todos nos abraçando e sorrindo, enquanto se escuta a música e vamos pouco a pouco dançando esse som.
Ao concluir, nos despedimos do grupo grande e começamos a caminhar até o ônibus. Conversamos um pouco mais e meus amigos indicam que vamos fazer um passeio de lancha pela Lago de Flores, e depois iremos à estação, onde vamos nos despedir, porque outra amiga vai me receber na cidade de Guatemala. Ao nos despedirmos, falam comigo em k’ekchí, me ensinam a dizer “até logo” e me lembram:

─ Os maias não construíram ruínas, eles fizeram grandes cidades, o que formou as ruínas foi o tempo; os maias não desapareceram, eles nunca se foram… você os encontrará falando k’ekchí, os conhecerá pelos sobrenomes que guardam sua linhagem, e os admirará cobertos com a história, a qual está escrita em seus trajes, em seus tecidos.
Fico assombrada com uma cultura viva que tem três mil anos de antiguidade. Agora entendo um pouco mais, e nos abraçamos. Me dão uma bolsinha com tamales de chipilín: para saborear durante a viagem, me dizem. E Esperança me dá de presente um bolsinha que ela mesma costurou, em tear de cintura, com inúmeras cores. Eu amei!
Agora o ônibus está chegando, subo rapidamente e coloco os objetos junto a mim. Nos despedimos e ao fechar os olhos, vejo novamente esse verde colorido rodeando os edifícios em meio à floresta. Meus ouvidos se abrem um pouco, e atrás de mim escuto alguns meninos falando no idioma maia.

─ Vocês falam k’ekchí?
E eles respondem:
─ Falamos k’ekchí, kich’e e espanhol. Qual dos três você quer praticar?
Dou um sorriso e lhes digo:
─ Acham que consigo aprender algumas palavras antes de chegar à cidade capital? E eles dizem:
─ Ué, como são oito horas de viagem… Com certeza você vai aprender bastante!
─ Sakarik! Sakarik…
E me ensinam esta canção:
Sakarik, sakarik, sakarik, wachalal
Sakarik, sakarik, sakarik, gonojel,
Sakarik, sakarik, sakarik, wachalal,
Sakarik, gonojel.

Xpe-riq´ij, xpe-riq-ij, wachalal
Xpe-riq´ij, xpe´riq-ij, gonojel,
Xpe-riq-ij.

 

A música nos diz esta ideia: “Bom dia, bom dia a todos. Bom dia, bom dia, unidos.” E está no idioma maia kiché’.
Viajamos a noite inteira e fico com muita fome. Meus amigos me contam muitas coisas interessantes enquanto comemos o café da manhã tradicional, que é muito grande: suco de laranja, ovos, feijão, mosh (aveia), banana frita, creme, queijo, café e pão. Preciso comentar o quanto fico impressionada pelos meninos do ônibus serem trilíngues. Eles me contam que isso é comum na Guatemala: tem muitas pessoas que falam o idioma espanhol, que é o veículo oficial de comunicação, e também falam um ou dois idiomas maias. Apesar disso, muitas escolas ensinam os idiomas espanhol e inglês. Também me explicam que Guatemala é um país constituído por quatro grupos humanos: os maias (que possuem 22 idiomas diferentes - e não são dialetos), os garífuna (povo afrodescendente), os xinka (povo indígena, mas que não é maia), e o povo mestiço, também denominado “ladino”, o qual fala espanhol. O país é multicultural. Guatemala viveu uma guerra que durou 36 anos, produto da desigualdade e inequidade social. Depois, se firmou a paz, e agora se esforçam como país para reconstruir uma nação onde todos possam respeitar-se e que se ofereça oportunidades para que todos possam ter acesso em igualdade de condições à saúde e à educação, entre outros.
Preciso ir embora, mas antes, eles me ensinam vários truques para fazer malabares com bolinhas, e sabe o que aconteceu? Me deram três de presente! Para praticar no avião. Para isso, me ensinam esta canção:

6 pelotas malabaresQuiero la pe-pe
quiero la pe-pe,
quiero la pe-pe-lo-ta.
Para re-bo-bo
para re-bo-bo
para re-bo-bo-tarla.
Para ti-ti-ti
para ti-ti-ti
para ti-ti-tirarla.
//Pepe-pelota
Rebo-botarla
Titi-titi-tirarla. //

 

Me convidam a regressar e fazemos planos para a próxima viajem: nadar nas praias, visitar os povos do planalto que são cheios de riqueza cultural, subir em um vulcão e percorrer a cidade capital que é muito moderna, em comparação com toda a linda cidade da Antiga Guatemala que é uma jóia colonial. Fico com muito desejo de voltar, enquanto nos dirigimos ao aeroporto para pegar o avião que me levará a outro país.
Um abraço, querido Juan. Este é o resumo de minha estadia em Guatemala.
Desejo muito que a gente possa se ver logo e que possamos realizar uma viagem juntos!
Me despeço no idioma maia kakchikel:
Quirí!
(Tchau)

Leia as curiosidades deste capítulo

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24 Abril 2022

A ARANHA VEGETARIANA

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Colômbia

Escreve Jairo Ojeda

Meu querido Juan,

Minha chegada à Colômbia, foi um ditoso acontecimento para nós que cultivamos o sonho do nosso continente-sul sem fronteiras. Assim nos vemos “como um conto”, fechado e separado por odiosas e imaginárias fronteiras que não entenderam que somos variedade e riqueza de coloridos, tamanhos, fragrâncias, cores, sabores, simples e natural expressão de nossa proximidade ao sol, ao permanente céu aberto e azul e o mais grave: este conto sempre foi contado por outros que nem sequer sabem escutar nem aceitar essa vida que vibra e se agita nas entranhas do nosso singular continente.

selva 2chocoana colombia
Estou descobrindo que nossas regiões naturais são cheias de contrastes, cada uma com sua personalidade: andina, tropical, vales, planícies e pampas, rios e mares, montanhas majestosas e aí estamos nós, agasalhados e nus, às vezes confusos nas vozes de nossas três avós, ao vento e ao sol. Bom, uma partezinha de tudo isso é o que quero te contar. Tomara que consiga fazê-lo.Como você bem sabe, venho do sul como a “Manolinha” da luminosa María Elena Walsh: “caminhando mais um pouco e outro pouco indo a pé”. Ao passar por Cali, a cidade onde vive Jairo Ojeda, ele me contou um pouco sobre a exuberante “Manigua do Pacífico”: a selva Chocoana. Achei tão fabulosa quanto nosso conto latinoamericano, pois assim vejo essa selvática região do Chocó: é o lugar mais úmido do mundo, chove todos os dias e isso acontece porque as montanhas são tão altas que impedem a passagem das pesadas nuvens carregadas de chuva, que não têm outra alternativa senão descarregar seu precioso líquido nesta região. O maravilhoso ciclo da água.

rana 2 colombia
A água é vida e por causa da sua abundância nesse lugar, a variedade de plantas, animais, borboletas e bichos é de tamanha magnitude que parece que esse é o laboratório biológico da Mãe Natureza. Por exemplo, lá você encontra o sapo mamboré, o maior do mundo, seu “CROAC” é tão profundo que ressoa nas covas ao redor como um Dó maior profundo. Em contraste com este gigante, há uma variedade de rãs pequeninas de cores vistosas e terrivelmente venenosas.

É simplesmente inimaginável a quantidade de espécies de serpentes.

serpienteFicam pelos caminhos, penduradas nas árvores, perseguindo sapos nos riachos, às vezes as confundimos com raízes das enormes árvores; mas de todos esses bichos o que mais me chama a atenção é a refinada habilidade das aranhas para garantir sua comida pra mais tarde.

Suas casas-armadilha, verdadeiros modelos de precisão arquitetônica tecidas com fios invisíveis de cristal são obras de arte. Igualmente se encontram por todos os lados. Algumas fazem teias tão extensas que dá pra adivinhar a sua dupla utilidade, com elas formam uma espécie de muralha que cerca um determinado espaço, uma espécie de pequeno reino, “um micro-mundo” que separa um lugar onde crescem fungos e variedades de insetos, moscas e borboletas todos eles quase prisioneiros. Assim essas silenciosas, misteriosas e enigmáticas tecelãs garantem o alimento. E foi precisamente em uma dessas fabulosas “telaranhas” que aconteceu algo estranho, mas maravilhoso como são as coisas da vida. Só que -esta última parte- Jairo me conta melhor em sua canção.

CANÇÃO: A ARANHA VEGETARIANA

araña vegetearianaTudo aconteceu como acontecem as coisas da vida,
em qualquer momento, em qualquer lugar
e qualquer dia.
E foi na telaranha da aranha estranha,
essa de olhos sem pestanas, de refinadas manhas
que te engana,
ao estender sua linda rede, sua casa-armadilha,
que prendeu uma flor.
Que presumida borboleta se achava
e escapou do velho laranjal que era seu lar:
ao ver seu vôo de brancura rosa, sem ser rosa,
a velha manhosa lhe disse melosa:
- Vem preciosa, nunca prendi flores
nem coisa de cores cheirosa.
- Vem que, embora me critiquem por aqui,
em vez de moscas feias e malcheirosas,
terei um jardim.
A fofoca sacudiu todo o lugar
e foi o horror de todo o aranhal,
Que de noite até de manhã,
a tacanha de refinadas manhas que te engana
virou vegetariana.
E até um beija-flor que nunca passava por ali
a visitou e sua loucura celebrou

Tudo aconteceu como as coisas da vida acontecem, a qualquer hora, em qualquer lugar e em qualquer dia.

Um grande abraço

Ouça a música

08 Agosto 2022

EMA NO MÉXICO

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MÉXICO

Gabriel San Vicente – Abril San Vicente

O táxi onde Ema vinha chegou tarde demais ao aeroporto e ela acabou perdendo o voo.
Tinha tudo preparado para partir e não entendia o que aconteceu.
—Saí a tempo e cheguei 4 horas atrasada. Como é possível? Vim direto, não entendo…
Nisso, se aproxima um menino e lhe entrega um bilhete:

Estimada senhorita Ema:

Sabemos de boa e confirmada fonte, de seu interesse em viajar ao México imediatamente.
Através desta, lhe comunico cordialmente o convite para navegar até esse destino como hóspede ilustre de nossa embarcação. Hoje, às 20:00 hs. passarão a buscá-la para transportá-la ao cais, rogo-lhe que esteja preparada, com as malas prontas.
Isso é tudo por enquanto, fico à disposição, atentamente:
O Capitão

Ela se voltou, surpresa pelo convite, ao menino, mas já havia desaparecido.
—Será que é alguma brincadeira? Pensou.
Olhou para o relógio: 19:50
—Dez minutos para às 20:00 horas. São quase 8 e eu saí às 4?
—Um barco… Onde? Tem mar por aqui? Estou na capital da Colômbia?

Em alguns minutos, quando chegou a hora, Ema continuava surpresa com o ocorrido, com suas malas de um lado, continuava parada, esperando… não sabia que, … com certeza se tratava de uma brincadeira … De barco?

horizonte barco

Às 20 horas em ponto, o menino apareceu novamente, do nada.
- A senhorita está pronta? - A levou para fora, pegando suas malas.
No exterior, havia uma paisagem de fotografia antiga - dois cavalos à frente e atrás deles uma carruagem.
- Isso só pode ser um sonho… U…ma ca…rrua..gem?
Em um instante, já tinha subido, assim como sua bagagem.
A viagem foi rápida. Quando menos se deu conta, já estava no cais. Subiu por umas madeiras, ninguém a esperava, mas sentia como se a estivessem levando, como se algo a empurrasse levemente.
Não podia parar, perguntar. Assim, chegou a sua cabine. Nesse momento se deu conta: o barco já estava navegando.
Estava no mar. Como chegou ali? Escutou as badaladas do relógio. Eram 12 horas da noite???

 

Ema saiu da Colômbia em um barco grande, velho, com velas enormes empurradas pelo vento. Atravessavam a distância pelo mar, entre as ondas cobertas de espuma e lua. Olhava para o céu escuro com seus pontinhos luminosos no horizonte, o vento havia saído por aí perseguindo um sonho. O silêncio convidava os pensamentos a chegar adormecidos com o tempo. Ema se recordava de sua casa, sua família, ali… tão longe … tão sozinha… na imensidão do nada.

Olhava o convés, o mar escuro, até o profundo de seus anos passados
Assim, dormiu nesse dia, apesar do ocorrido, serena, tranquila, nessa noite e em várias outras mais, enquanto se aproximava de seu destino.

Um dia, enquanto chegava o amanhecer, notou a grande quantidade de nuvens ao fundo, nessa linha grande que divide o mar e o céu, lá onde se perdiam os raios de sol.
De repente escutou uma voz fina:
- Senhorita, o mar vai se agitar, quando isso acontecer, recomendo que se resguarde em sua cabine. É para a sua segurança. A lua, as estrelas e o vento, asseguram a presença de um furacão nos próximos dias no nosso caminho.
- Quem está falando? Não vi ninguém desde que cheguei, a comida aparece sobre a mesa, não sei como! Onde você está?

camrote

A voz continuou:
- O capitão tem experiência, pede que a convidada não se preocupe, aconselha que se resguarde em sua cabine quando chegar o momento. Obrigado.
Ema procurou a pessoa, mas sem resultados, depois caminhou pelo convés sem deixar de procurar e olhando as grandes nuvens escuras e o mar um pouco agitado.
De repente, escutou umas batidas suaves, ficou quieta procurando lentamente de onde vinham. Ouvia as batidas atrás de algumas caixas, se aproximou na pontinha do pé e encontrou um rapaz batendo com os sapatos com uma madeira.
- Olá! - Disse ele a Ema, com naturalidade.
Estou consertando minhas sandálias, porque os pregos saíram, estão me machucando e assim não consigo brincar. Ema não entendia, guardou silêncio, o olhava com curiosidade, era um menino magro, moreno, com sobrancelhas espessas e olhos pretos melancólicos, um menino.
- Para onde você está indo? - continuou o menino - Eu estou indo para o México, vou para Oaxaca, minha terra. Vamos passar por lá, mesmo que o barco não faça parada, vou dar um jeito de descer. Ainda que meu primo Pancho venha me buscar. E você? O rato comeu sua língua? Por que está nesse barco? Ahhh! Você é a convidada! Claro, eu sou o Ramon.
Y estendeu sua mão a Ema.
- Oi, Ramon, eu sou a Ema, como vai?
- Bem, aqui passeando, mas já vou voltar para casa. Estou conhecendo lugares por onde esse barco faz rota, da última vez cheguei lá, onde termina a luz do sol. E pensei em ir para o outro lado, onde a lua aparece, mas o barco demorou bastante, melhor deixar para a próxima.
- Você faz parte da tripulação? Perguntou Ema.
- Mais ou menos. Sou amigo do capitão e, você já sabe, tenho certos privilégios. Para contribuir, só limpo o barco e o convés, além de lavar as cabines dos marinheiros. Mas só para eu me distrair e não ficar entediado. Porque o capitão é meu amigo!
Disse firme e seguro de si.
- Aqui no barco eles me respeitam. Se tiver algum problema, é só me falar e solucionamos imediatamente.
Ema assentiu: - Obrigada!
- Bom, muito prazer. Vou lavar o convés, está suja e… quero limpá-la!
- Claro, cuidado com o mar por esses lugares, não olhe muito, o mar te pode Ema.
Não terminou a frase, deu a volta, levantou a mão e se foi. Até mais!!!
Ema sorriu, o viu se perder por lá, em direção ao mar.
- O mar te pode - pensou Ema.
Deu a volta e de repente, Ramon apareceu.
- Ah! De onde você saiu? Me assustou! Você saiu por ali - disse apontando, nervosa.
Fui buscar uns doces. É a minha mãe que compra, porque sabe que gosto muito! Também tenho fruta, quer?
Ema, recuperada do susto, pegou uma banana. Ramon continuou conversando:
- No meu povoado, eu brincava no rio com meus amigos. A gente passava horas lá! Depois subiamos o monte para ver o céu à noite, víamos as estrelas. Se fechasse os olhos, elas desciam até você, e conseguia sentir como elas entravam no coração, nos faziam suspirar e em segundos estávamos voando sobre o mar. Brincávamos com as ondas, com os peixes, uma vez o vento marinho levou o Pancho pelas ondas. Estava todo feliz, ria e ria, mas não voltou. Fui buscá-lo, perseguindo sua risada. Desde então, o vento marinho me chama, quer me levar, sussurra nos meus ouvidos, no meu cabelo, nas lembranças. O mar te pode Ema.
Se levantou e se foi.

Ela tinha tantas perguntas para Ramon. Mas, algo estava acontecendo… não conseguia perguntar, apenas escutava. Decidiu ir a sua cabine, tomar um chá, relaxar, dormir.
Sentada na cadeira, pegou seu caderno para fazer uma carta. No momento em que começava a escrever, apareceu uma linha com tinta azul.
- Olá! Vai escrever? Eu sou o Ramon.
Ema soltou a pena e se levantou assustada.
- O que aconteceu? Está espantada!
Nervosa, deu a volta rapidamente.
Ali, sentado sobre a cama estava Ramón.
- Você dorme aqui? Está confortável? Posso dormir do seu lado?
- Co… co… mo você chegou aqui? Disse Ema com a voz trêmula.
- Pela porta, ué! Por onde mais?
Ramon se aconchegou em um canto da cama disposto a dormir.
- Até amanhã, Ema
Ela apenas levantou a mão fazendo um sinal, como se dissesse adeus.
A noite foi longa, não conseguiu conciliar o sono, olhava e olhava para Ramon, que dormia com a perna pendurada. Ao amanhecer, foi preparar um pouco de pão com chá para compartilhar com seu companheiro de cabine. Nisso, Ramon entra, e a faz derramar o chá de tanto susto!
- O mar está mais agitado, tem muito vento, estamos quase chegando em Oaxaca, minha terra.
Emudecida, pasmada, só conseguiu dizer:
- A que ho-ra-vo-cê-le-van-tou? Eu não vi!
- Faz um tempo! Você estava adormecida. Tem que se cuidar… O mar te pode Ema.
E assim se foi, tão de imprevisto como havia chegado.
Ema saiu por trás, rápido, procurando onde Ramon teria ido. O avistou lá no fundo, perdendo-se no amanhecer. O vento, o mar agitado, as ondas apareciam pelo convés com força.
- Ema, vá para sua cabine! Depressa, em alguns momentos o mar será perigoso. O mar te pode, Ema. Era a voz de Ramon.
Foram vários dias e noites terríveis.
Quando sentiu calma, abriu a porta e subiu no convés, o sol estava radiante, só algumas poucas nuvens ao longe. O furacão tinha ido mais para o norte.

Logo, no convés, ela escuta uma voz, mas desta vez, não era Ramon.

- Olá, sou Pancho. Você viu meu primo Ramon por aí? Deve estar esperando … disse-lhe que viria para buscá-lo e não consigo encontrá-lo. Já chegamos em Oaxaca e estão nos esperando em casa, já prepararam a oferenda. É 30 de outubro.

huracan

Ema não estava entendendo muita coisa. Não entendia… De onde saiu esse menino? Como subiu no barco?
Quem é o capitão, quem é Ramon? E enquanto pensava, novamente escutou a voz de Ramon:
- Sou eu, Ema. Viemos juntos faz dias, não se lembra?
Tremendo, pasmada, tropeçou.
Leu minha mente? - Ramon, a segurou ao seu lado:
- Falta pouco para chegar ao México, não se preocupe, você vai chegar bem. Foi um prazer te conhecer e te acompanhar, Ema. Feliz viagem. Pancho e eu descemos aqui. Lembre-se, o mar te pode, Ema. Até mais.
E desapareceram como um passe de mágica.
Nesse momento, Ema sentiu que seu corpo se relaxava, estava feliz, não sabia o porquê. Suspirou profundamente, abriu os braços e disse com o vento marinho sobre o seu corpo:
- O mar te pode Ema.

 II

Um retumbar de tambores e instrumentos de vento a despertou. Se incorporou lentamente, parecia que ainda não tinha caído a ficha de onde se encontrava.

- Acorda! - Era Ramon, o menino do barco. Estavam sentados em um banco.

- Temos que nos apressar, porque nosso tempo está acabando - apressou Pancho

Ema continuava sem entender o que estava acontecendo. Coçou os olhos, se espreguiçou um pouco, se colocou de pé e seguiu os meninos.
O sol se havia escondido, agora se via uma enorme lua que parecia ter um coelho dentro. Deviam ser entre as sete e nove da noite. Caminharam aproximadamente por duas ruas e chegaram a um mercado que, como o centro, se encontrava repleto de gente.
Ema ficou maravilhada, aquele mercado era o mais colorido que havia visto em sua vida: por um lado viam frutas de todas as cores, verduras de todos os tamanhos, muitas coisas, não tinha nem ideia do que eram. A mistura de aromas era muito peculiar.
O lugar também estava cheio de vendedoras de flores laranjas e uma ou outra de cor roxa, pareciam bolas de algodão, chamaram tanto sua atenção que ficou por um instante a observá-las.
- Esta flor se chama cempasúchitl - lhe disse Ramon.
flor- Cempa o quê? - respondeu Ema
- Cem-pa-su-chi-tl - silabou Ramon. - Significa a flor das vinte pétalas, pelas suas raízes em nahuatl cempoal - 20 pétalas- e xochitl- flor.
De repente, atrás das flores apareceu uma senhora.
- Você não é daqui, não é? Perguntou-lhe curiosa, enquanto escolhia uma flor para dar a ela.
- Te dou esse presente, para que você nunca se esqueça desse dia. E deu uma piscada de olho.
- Muito obrigada, é um dos presentes mais bonitos que já me deram- disse sorridente, mas em seguida viu que Ramon e Pancho a apressavam, voltou a agradecer e se foi.

Continuaram seu percurso, Ema se sentia um pouco tonta com tantas coisas para ver. Olhou para cima e viu alguns enfeites peculiares, pareciam feitos de papel colorido, mas o mais incrível dessas bandeiras era que tinham figuras, mas… de caveiras! Caveiras comendo, conversando, cantando, enfim… fazendo de tudo.

- Isso é papel picado- disse Ramon ao vê-la tão impressionada.
Agora olhava para o outro lado e via uma enorme variedade de pimentas de todas as cores e tamanhos. Continuaram caminhando um pouco mais até pararem em frente a um posto onde vendiam pão, mas como as outras coisas que haviam visto em seu percurso por esse pitoresco mercado, não tinha ideia desse tipo estranho de pão. Por um lado, encontrou um redondo coberto de açúcar, o qual tinha umas formas estranhas para decoração: esse era o famoso “pão de morto”. Mas tinha outro maior, esse tinha a figurinha de um bebê, que parecia sair do pão, o qual, em vez de estar coberto de açúcar, tinha ajonjolí em volta.
- Ei, você tem dinheiro? - perguntou Ramon. Ema assentiu - Poderia comprar 6 pães de cada um?

Ema sem pensar muito, pediu pães de morto e o outro que não sabia o nome, e que lhe disseram que se chamada “pão de yema”, mas pediu um extra de cada um para provar.
Assim que saíram do mercado, se dirigiram ao mesmo ponto do qual tinha iniciado seu percurso.
Agora sim podia observar com calma essa multidão. Por um lado, as mulheres usavam saias largas até o tornozelo, saias de todas as cores existentes, blusas cheias de flores e de diversas figuras - das quais não se conseguia distinguir, por causa da distância- aretes grandes e colares ainda maiores, pareciam de ouro. Os homens da mesma forma iam de roupa colorida, alguns com chapéu.
O que mais lhe pareceu estranho, foi ver que todas essas pessoas estavam maquiadas de caveira. Todos pareciam felizes enquanto dançavam ao compasso da música interpretada por uma banda, dando batidas de tambor junto com os trompetes, saxofones, clarinetes, ali, até o fundo da passeata. Aquele cenário que se apresentava era algo definitivamente tirado de um filme.
Estava tão imersa nessa paisagem tão peculiar, que demorou em ver Ramon e ao seu primo fazendo sinal para que fosse mais rápido.
Seguiu os meninos e se misturou com a multidão. Continuou avançando, mas de repente já não caminhava. Seus pés tentavam imitar a dança que estava presenciando, uma senhoras, ao ver que não sabia dançar, se aproximaram e lhe ensinaram alguns passos que ela -do seu jeito- tratou de fazer, ainda que sem conseguir dançar direito. Não soube quanto tempo se passou. Já até havia esquecido que vinha com os meninos quando apareceram de novo e a fizeram sair daquela grande celebração, uma festança!
Caminharam por algumas ruas muito mais tranquilas, mais vazias que de onde vinham, mas chamativas do mesmo jeito. Fora de todas as casas havia altares, todos cheios de cores: Havia comida, bebidas, doces, velas, flores laranjas como a que lhe haviam presenteado e outras coisas que não soube identificar. Assim foi o percurso até onde os meninos passaram, em frente de uma casa que, como as outras, tinham seu altar.
-Ema, você poderia por favor acomodar o pão nesse pratos grandes? Disse-lhe Pancho; Colocou cuidadosamente o pão, aquilo a fazia sentir-se mais parte de toda essa experiência.
-Muito obrigado por nos ajudar, faz muito tempo que não conseguimos trazer pão, isso fica sempre como tarefa pra gente, com certeza nossas mães ficarão muito contentes.
- Aa-qui estão suas fotos! É a oferenda!
Com cara de assombro, guardou silêncio. Olhou para os meninos emocionados, bebendo e comendo os alimentos da oferenda. Imediatamente localizou os doces de Ramon e os trouxe para perto. Recordou-se de que ele havia dito: - Minha mãe sabe como eu gosto.

De repente tudo fez sentido.
Sua viagem de barco a tinha feito esquecer em que dia estava vivendo. Tinha chegado a esse país no dia 30 de outubro: o dia das crianças, as crianças que tinham ido para outro plano antes do tempo, o dia dos mortos, o dia de Todos os Santos. Um sentimento de tristeza a invadiu, olhou para os lados, mas já não via mais os meninos, apenas escutou risadas que se perdiam e se desvaneciam ao longe.
Envolta no vento marinho, Ema foi atrás deles:
-Ramón, Pancho, não vão embora… Vou com vocês, onde estão? Não consigo ver vocês.
O vento se transformou em um grande redemoinho. Ema sentiu como se estivesse perdida entre o mar, as ondas, a noite e as estrelas.
Escuta as vocês de Ramon e Pancho de longe:
Você não pode vir com a gente … já vaaaaaamooos …
E o silêncio a acariciou junto com o vento do mar. Abriu os olhos, olhou para a lua com seu grande coelho imóvel. Suspirou e sorriu.
O mar te pode Ema

cartacartaQuerido Juan:

Estou no México, não sei o que dizer. São sensações que vão e vêm.
Ainda não consigo entender o que aconteceu, sigo entre flores e o copal, entre sonhos e pensamentos.
Na magia do caminho coberto de glitter, amanhecendo com lindos cantos de pássaros, olhando o sol, o céu, o mar, o povoado, as pessoas, a sua alegria compartilhada, o amor a sua terra, a seus antepassados.
A esse amor não o fiz meu, Juan.
Não pergunte, não consigo explicar.
É assim. Foi assim.
Assim será.
Ema

 

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09 Março 2021

EMA NO URUGUAI

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URUGUAI

Escreve Mariana Ingol

 

Querido amigo, espero que esteja tão bem quanto eu, ou melhor ainda.

Logo depois desse tempo inesquecível no Delta, fui para o Uruguai há alguns dias e não paro de fazer amigos. Aqui todos são como uma grande família. Quem não é primo, é tia ou cunhado e apesar de terem muitos sobrenomes diferentes, é como se todos os uruguaios fossem parentes. Me sinto em casa, já que me tratam super bem. Estou aprendendo tanto com essa travessia, amigo. Vou te contar algumas coisinhas.

Diferente de outros países, o Uruguai não tem um nome próprio, embora todos o chamem assim, mas na verdade é uma parte ou uma banda de território a leste do país que também se pode chamar oriente do Rio Uruguai, por isso se chama a Banda Oriental, como se fosse uma banda de músicos. Aqui tem músicos por todos os lados. Há tantos que dizem que saem até debaixo dos pisos. Os uruguaios são chamados de orientais, como os japoneses, chineses e outros povos de lá, porque estão a leste ou no oriente em relação a nós, embora possamos ir até a Ásia indo em direção ao oeste ou ocidente também. “Até a Ásia”, que engraçado, né? As palavras às vezes são muito engraçadas, outras vezes um pouco complicadas, mas nos dão muitas informações que precisamos e é muito bom ampliar o vocabulário.

Uruguai significa na língua guarani “rio dos pássaros”, apesar de haver outras versões para o significado também, como “rio dos caracóis” e um poeta já o chamou de “rio dos pássaros pintados”. No território há muitos rios, riachos, lagoas, o mar e o oceano. Todos os limites deste pequeno país são de água, menos alguns quilômetros na fronteira com o Brasil, por isso quase podemos dizer que é uma ilha.

Atravessei da Argentina à Colonia del Sacramento, no Uruguai, onde ainda está o Rio de la Plata, que, segundo dizem, é o rio mais largo do mundo. Aqui dizem que é um rio amplo como o mar. Depois, mais ou menos em Montevideo que é a capital, se converte aos poucos em mar, com a água às vezes um pouco salgada. A cor muda muitas vezes dependendo da corrente, se vem do oceano ou do rio. Às vezes tem faixas de cores diferentes. O rio, por sua vez, é pintado com as cores do rio Paraná que é um pouco marrom e o rio Uruguai que é mais azulado ou esverdeado.

Assim que coloquei o pé em terra firme, um cachorro se aproximou para me dar boas-vindas. Ele tem me acompanhado desde então. Não parece estar abandonado e não pude encontrar algum possível “dono”. Acho que pertence a si mesmo e está se virando bem até agora. E mais: sinto que é uma espécie de guia turístico que viu minha cara de quem não sabia nada desse lindo pedaço de planeta e quer me ensinar como é. Ele me mostra lugares, e me faz conhecer pessoas. Inclusive deu um jeito de nos levarem de carro até a parte do Uruguai onde começa o oceano, porque não deixam subir cachorros nos ônibus. Mas mesmo assim um motorista o reconheceu e nos deixou fazer parte da viagem nos bancos da frente, assim conseguimos ver esplendidamente a paisagem e o caminho. Todos os passageiros estavam felizes de ver o meu guia e amigo. Uma senhora me disse que o chamavam de São Canino e um senhor ao seu lado acrescentou que também o conhecem por São Cão. Parece que o Uruguai inteiro sabe quem ele é.

Em um dado momento, São Cão decidiu descer, lambeu a mão do motorista como forma de agradecimento, e todos se despediram de nós desejando o melhor. Por algum motivo desconhecido eu confiava totalmente nas decisões do meu guia peludo. Sentia que tudo ia ficar bem se seguisse seus passos. E foi assim mesmo. Não só ficamos bem, como também foi tudo maravilhoso. Nos aproximamos da orla, caminhando por uma trilha rodeada de flores, amarelas, violetas, rosa e lindas borboletas. É como se tivéssemos entrado num conto. Chegamos em um bosque de pinheiros, acácias e cactos que crescem na areia. Subimos uma pequena duna e lá estava... o mar. Que sensação mais linda cada vez que vejo o mar. Não tinha ninguém na praia e uma brisa nos acariciava docemente. Subimos em algumas rochas com formas incríveis. Logo aprendi que são muito antigas. A América do Sul estava unida à África há milhões de anos, segundo dizem. Se alguém vê o mapa-mundi, pode perceber como encaixa perfeitamente uma parte daqui com outra de lá. É como se tivesse um pedacinho da África nas rochas que ficaram separadas ao criar o oceano. Muitos dos animais africanos se parecem um pouco com os da América do Sul, mas os daqui são menores. Por exemplo, o Uruguai tem o ñandú (outro nome guarani) que é quase igual ao enorme avestruz da África, mas menorzinho. As duas espécies botam ovos enormes, que são dez vezes o tamanho de um ovo de galinha e seus filhotes se chamam charabones.

De cima das rochas a vimos. Sim, lá estava ela, uma baleia. Era a primeira vez na minha vida que via uma, que grande emoção!
Alguém tinha comentado comigo que as baleias ficam na costa uruguaia de junho a agosto, quando vão mais para o sul. Foi estranho nos depararmos com uma estando fora desse período. É como se ela estivesse esperando para se despedir de nós antes de ir embora. Um encontro mágico, inesperado para mim, mas tenho minhas suspeitas de que São Cão sabia que ela estaria ali. Talvez já se conheçam e são amigos. Talvez já tivessem planejado o encontro comigo. Talvez já sabiam que eu vinha para o Uruguai. Os animais se comunicam telepaticamente e muitos humanos também. Eu sentia que este encontro não era casual.

Ficamos sentados nas rochas por um bom tempo, meu amigo peludo, eu e um biguá que se aproximou de nós. Os biguás são pássaros geralmente pretos no Uruguai, apesar de ter visto alguns mais cinzas em outras partes. Eles gostam do mar, dos rios, para eles tanto faz se a água é doce ou salgada.
Se chamam cormoranes em todas as partes, mas aqui muitos animais, todos os rios e muita vegetação autóctone tem nome na língua guarani. Por isso aqui se chamam biguá. Têm uma forma muito particular do pescoço e abrem suas grandes asas para secá-las ao sol. Nadam, voam, caminham e mergulham.

Olhamos os três um para o outro e depois direcionamos o olhar para a baleia que não parava de fazer movimentos com sua cauda e mandar para o ar um jato de vapor muito alto. Estas são as chamadas baleias francas. Não sei se as chamam assim porque sempre dizem a verdade, kkk.

Ao invés de apenas um jato, como fazem outras baleias, estas o dividem em dois, formando uma espécie de V, por isso é fácil saber que se trata de uma baleia franca. Logo, chegaram também alguns lobos marinhos que frequentam muito esta área. São preciosos, brincalhões na água. Vêm da Ilha de Lobos na costa. Essa ilha é uma das maiores reservas de lobos marinhos do mundo.

Estava rodeada de animais incríveis que pareciam me reconhecer, como se já nos tivéssemos visto antes. Tudo parecia um sonho, e até cheguei a pensar que em qualquer momento me despertaria e estaria em minha cama em casa. Ao mesmo tempo, me sentia em casa. Esta viagem está me mostrando que posso me sentir assim em qualquer lugar.
A baleia começou a se distanciar e sentimos que esse era o momento de sua partida até o sul da Argentina, para se encontrar com as outras. Mas, de repente, um pescador passou pertinho de nós cantando uma canção que ficou na minha cabeça. Era óbvio que o pescador e São Cão já se conheciam, já que este não parava de mover a cauda ao vê-lo. Esse cachorro é mais famoso que Deus. Escrevo aqui a letra da canção. Tenho certeza que se for cantada de frente para qualquer mar, esta baleia aparecerá. Diz assim:

 

Dice así:

 

A baleia

vai cheia de você
vai cheia de mim
vai cheia de Deus
vai cheia de azul
vai cheia de sol
vai cheia de sal
vai cheia de sul
vai cheia de ser
vai cheia de mar

O pescador repetiu a música várias vezes quando viu que a baleia se distanciava e ela incrivelmente voltou para perto da costa. Se conhecem, pensei, e essa canção é para chamá-la. Ela ao mesmo tempo emitia sons incríveis, que com certeza dentro da água soariam muito mais forte. As baleias cantam dentro da água, se comunicam a milhares de quilômetros de distância. Não precisam de telefone, nem de internet. O som viaja muito mais rápido dentro da água que pelo ar.


Comecei a cantar a canção com ele, já que me fez um gesto como convite. São Cão cantou do seu jeito, uivando e olhando para o céu, e o biguá nos acompanhou com sons muito originais, além do bater de suas asas enormes. De repente, a baleia lançou um jato em forma de V, maior que os anteriores, como se estivesse aplaudindo, deu um salto incrível e ao cair fez um som estrondoso no mar que espantou todas as gaivotas que estavam nele. O que mais se podia pedir, tudo aquilo era como um filme! Ela se despediu e se foi. Ou talvez tenha dito apenas um “até logo”. Vimos que ela se distanciava, sabendo que no mar uma amiga imensa sempre estaria feliz em se reencontrar conosco. O pescador sorriu para nós e seguiu seu caminho. O biguá voou até outras rochas onde havia mais de sua espécie e São Cão e eu ficamos em silêncio olhando o mar. Este encontro mudou para sempre a minha vida.

Estou te escrevendo do Cabo Polonio agora, um lugar junto ao mar onde tem um farol, pescadores, gente muito linda, músicos, artistas de todo tipo. Aqui não entram carros. É preciso atravessar as dunas usando veículos adaptados para isso. É um lugar precioso e ficarei alguns dias por aqui até decidir como vou continuar a viagem. O pôr-do-sol e o amanhecer aqui são mágicos, e a música do Oceano Atlântico me acompanha para que tome uma boa decisão. Porque uma parte de mim quer ficar aqui para sempre, com meu amigo peludo. Outra parte me diz que devo seguir viagem, e que nos encontraremos magicamente de novo. Sei que ele ficará bem, todos o amam e ele ama a todos.

Fiz uma canção para São Cão e ele fica tão feliz quando a canto.. não para de mexer a cauda. Sinto que por telepatia, ele me ajudou com a letra. Ou melhor, tenho certeza. Se chama Cantocão e aí vai:


“A cauda se mexe sozinha

se mexe sozinha
se mexe
não importa se tem sol ou se chove
ou se chove com sol
sozinha se mexe

não tem como comparar minha sorte

de te ter por perto e te amar
tão simples amar e ser amado
para isso eu estou tão bem preparado

por isso vim para o planeta

encarregado dessa grande missão
por isso digo: vamo que vamo!
até elevar a vibração
e fazer com que todo mundo ria
e se abra enfim de coração
e reine sempre a alegria.

 

Meu queridíssimo amigo, te mando um abraço imenso, te levo sempre no meu coração e logo te escreverei de um algum outro lindo canto da América.

Ema

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